A organização do Europeu de futebol de 2012 era uma oportunidade de a Ucrânia brilhar, mostrar aproximação ao ocidente, marcar posição internacional e ajudar na sua débil economia, mas está a revelar-se uma dor de cabeça política.
Num movimento reminiscente da “Guerra Fria”, os principais responsáveis europeus anunciaram que vão boicotar os jogos a disputar na Ucrânia, devido aos alegados maus-tratos infligidos à antiga primeira-ministra e líder da oposição Iulia Timochenko.
O próprio presidente da UEFA, o francês Michel Platini, já chamou de “bandidos e vigaristas” a quem inflacionou os preços dos hotéis ucranianos, enquanto os críticos internos afirmam que o Governo deixou o país falido por ter gasto quase 14 mil milhões de dólares no torneio.
“Esta era uma oportunidade de mostrar o país porque milhares de jornalistas vão cá estar”, afirmou Oleh Rybachuk, um membro do gabinete de Timoshenko, vaticinando: “Agora, os milhares de jornalistas vão chegar e escrever sobre um milhão de problemas. Não vejo os anunciados benefícios com a imagem, ou políticos e económicos”.
A atribuição do Euro2012 à Ucrânia, juntamente com a vizinha Polónia, em 2007, visava premiar dois países do antigo bloco comunista de leste, amantes do futebol, já com os polacos como membros da União Europeia e a Ucrânia a aspirar a integração. Nessa altura, a economia ucraniana crescia e o ocidente “apaixonou-se” pelo país com os protestos pró-democracia da “Revolução Laranja”, em 2004, quando subiu ao poder um Governo pró-ocidental.
No entanto, a Ucrânia é agora um país diferente. Timochenko, a carismática líder de trança loura e heroína da revolução, cumpre uma pena de prisão de sete anos por abuso de poder. Os países do ocidente consideraram esta condenação como uma perseguição com motivações políticas do regime do presidente Viktor Yanukovich.
Timochenko na quarta-feira deu por terminada uma greve de fome, que tinha iniciado há três semanas, depois de ter sido alegadamente agredida com um soco no estômago, por um guarda prisional.
As fotografias dos hematomas no abdómen e nos braços de Timochenko foram divulgados pelos defensores dos direitos humanos do país e chocaram a comunidade internacional, levando a que os presidentes da Comissão Europeia, Durão Barroso, e União Europeia, Herman Van Rompuy, bem como os governos de Áustria e Bélgica recusassem a deslocar-se à Ucrânia para assistir a jogos do Euro2012.
A chanceler alemã, Angela Merkel, admitiu que só se deslocará ao país no caso de o estado de saúde de Timochenko melhorar.
As críticas do Ocidente levaram ainda Kiev a anular uma cimeira de dirigentes da Europa Central, que deveria ter lugar no final desta semana em Ialta, depois de muitos convidados terem anunciado a intenção de boicotar a reunião.
A economia ucraniana também se ressentiu da crise financeira global, com uma queda de 15 por cento no Produto Interno Bruto (PIB) em 2009, e o empréstimo de emergência de 15,6 mil milhões de dólares do Fundo Monetário Internacional foi congelado por mais de um ano, devido à relutância Yanukovych para implementar medidas de austeridade impopulares.
Em causa poderá estar a capacidade de o país pagar o Euro2012. O Governo diz ter gasto cerca de 4,4 mil milhões de dólares na construção de estádios e melhoria de estradas e ferrovias, mas os números totais com os investimentos de subsidiárias com hotéis, campanhas promocionais e formação não foram divulgados.
O Davinci Analytic Group, uma empresa de consultoria sediada em Kiev, estima que o montante ascenda a 14 mil milhões, na sua maior parte proveniente dos cofres estatais. A Polónia deverá gastar ainda mais, cerca de 29 mil milhões de dólares, mas conta com a comparticipação, em cerca de 40 por cento, de fundos comunitários.
Até um vídeo promocional encomendado pelo Governo ucraniano mereceu críticas porque, além de ter custado 160 mil dólares, nos 30 segundos de imagens surge um grupo de ucranianos a aprender inglês... e a cometer um erro gramatical.
O mesmo ocorreu na Holanda, com o lançamento de uma promoção de uma empresa do sector energético, que oferecia uma máquina de cerveja e aconselhava as mulheres a manterem os maridos longe do Euro2012, por poderem ser seduzidos por ucranianas atraentes. Kiev já protestou contra o anúncio, que considerou “humilhante e discriminatório”.