Menos de uma hora antes de o Sporting jogar com a seleção de Pequim, o Estádio dos Trabalhadores - na altura o maior da China, com cerca de 80.000 lugares - estava vazio.
''Não sei como é que eles fizeram aquilo?! Quando entrámos em campo, o estádio estava completamente cheio'', recordaria o capitão da equipa, Augusto Inácio.
A cena passou-se há 35 anos, durante uma digressão organizada pela Associação Democrática de Amizade Portugal-China ainda antes de os dois países estabelecerem relações diplomáticas.
Constituída pelo Partido Comunista de Portugal (marxista-leninista), grupo entretanto extinto mas que era então o único reconhecido pelas autoridades chinesas, aquela Associação já tinha levado à China representantes do PS, PSD e CDS e do poder militar.
As viagens eram sempre ''concertadas com as autoridades portuguesas'' e decorriam paralelamente às conversações que decorriam em Paris para o restabelecimento das relações diplomáticas, conduzidas pelos embaixadores de Portugal e da China em França.
A comitiva sportinguista incluía o presidente do clube, João Rocha, o antigo embaixador na ONU Veiga Simão e vários jornalistas.
Em 1978 a China não estava sequer inscrita na FIFA e só 24 anos mais tarde conseguiria qualificar-se para a fase final de um Mundial. Como os outros desportos, o futebol era amador e, oficialmente, regia-se pela fórmula ''Primeiro a Amizade, Depois a Competição''.
''Estão finalmente criadas as condições para que dentro de semanas se torne possível a abertura de relações diplomáticas entre Portugal e a China'', dizia o semanário ''Expresso'' na véspera da partida do Sporting, em julho de 1978.
Para o Sporting, que acabara de conquistar a Taça de Portugal, foi um passeio: dos três jogos que disputou, em Pequim e Kunming, ganhou dois e empatou um. O resultado mais importante, porém, não se traduzia em golos.
Alfredo Farinha, repórter do jornal ''A Bola'' que acompanhou a digressão do Sporting, classificou a República Popular da China como ''Campeã da Amizade entre os Povos''.
Um alto funcionário chinês comparou a embaixada do Sporting com a equipa de pingue-pongue americana que foi a Pequim em 1971, abrindo caminho à histórica viagem do presidente Nixon, no ano seguinte.
''Os americanos, que jogaram com uma bola pequena, abriram uma pequena porta. Os portugueses jogaram com uma grande bola e abriram uma porta grande'', disse o presidente da Associação Chinesa de Amizade com os Países Estrangeiros, Wang Bingnan.
Confirmando a satisfação chinesa com as conversações em Paris, o comandante militar de Pequim e vice-primeiro-ministro, Chen Xilian, assistiu a um dos jogos do Sporting.
Portugal tinha, entretanto, autorizado a abertura de uma delegação da agência noticiosa oficial chinesa Xinhua e no final de 1977 já havia em Lisboa dois funcionários chineses com estatuto diplomático: Wang Zhigen e Han Zhaokang. Ambos falavam português.
Em fevereiro de 1979, cerca de seis meses depois da digressão do Sporting, Portugal e a República Popular da China estabeleceram relações diplomáticas.