O recente duelo entre Cristiano Ronaldo e Lionel Messi foi, essencialmente, um pseudo-acontecimento. Isto é, o confronto entre as duas maiores estrelas do futebol mundial existiu sobretudo por razões mediáticas. Contudo, foi uma operação não totalmente conseguida e cheia de lições sobre o mundo da comunicação.
Um estádio com meia casa e um ambiente frio compuseram o palco do acontecimento. A estes factos não serão alheios dois fatores: o aparentemente excessivo preço dos bilhetes e um Escócia-Inglaterra à mesma hora.
De acordo com a Cision, entre janeiro e meados de novembro do presente ano, Ronaldo e Messi geraram mais de um milhão e meio de notícias um pouco por todo o mundo, só em ambiente online. O português liderou com 859.127. O argentino ficou-se pelos 675.371 artigos.
Estes números impressionam e mostram como os media giram incessantemente à volta de algumas figuras, reforçando, simultaneamente, o seu valor mediático. Mas, apesar de toda a atenção que os meios de comunicação prestam a estas duas personalidades, o grande duelo promovido até à exaustão como uma irritante sinédoque saiu um verdadeiro tiro de pólvora seca.
Desde logo, isto apenas comprova uma já bem estabelecida teoria do mundo da comunicação: os media podem até dizer-nos sobre o que pensar, mas não nos dizem o que temos de pensar. Mesmo no primeiro caso, aquilo que é difundido é rececionado por gente que não está vazia. Assim sendo, a informação mediática é apenas mais um dado a juntar àquilo que já somos, pensamos ou sabemos, sendo enquadrado no que já existe.
Em 'A Caverna', José Saramago escreveu que «a véspera é o que trazemos a cada dia que vamos vivendo». Ora, as mensagens dos meios de comunicação social têm de se confrontar com as muitas vésperas que vamos acumulando. E também por aqui se explica como um Escócia-Inglaterra triunfou, em terras britânicas, sobre a avalanche mediática de Messi e Ronaldo que todos os dias nos apanha, em todo o mundo.
O passado e o espaço ainda podem triunfar sobre o presente, constantemente redefinido em tempo real. A utopia da 'aldeia global' confronta-se com culturas e histórias há muito enraizadas. Os media devem ter isto em conta, sobretudo antes de limitarem a cobertura noticiosa a uns quantos poucos assuntos que eles próprios alimentam, mimetizando-se uns aos outros. E os clubes também podem aprender qualquer coisa.
Como já tenho defendido em textos anteriores, qualquer estratégia de comunicação deve levar em consideração o contexto e a cultura organizacional partilhada por públicos internos e externos. Dentro destes últimos, os que partilham um espaço físico próximo e acompanham presencial e apaixonadamente o clube devem ser particularmente valorizados.
E é aqui que entra o preço dos bilhetes. Cobrar obscenidades por uma partida de futebol é meio caminho andado para afastar quem cria o ambiente que as transmissões televisivas tanto precisam. Um conjunto de novos e velhos ricos e adeptos mais ou menos ocasionais podem pagar entradas elevadas, mas não sustentam um clube nem dão alma a uma organização.
Este texto é resultado da colaboração semanal entre o Futebol 365 e o blogue marcasdofutebol.wordpress.com. Esta parceria procura analisar o desporto-rei a partir de um ângulo diferente: a comunicação.