O último mecanismo de recurso de uma decisão da Autoridade Antidopagem de Portugal (ADoP) para o Tribunal Arbitral do Desporto (TAS) é considerado inconstitucional pelo especialista em direito desportivo José Manuel Meirim.
Em declarações à Agência Lusa, José Manuel Meirim referia-se à única possibilidade de recurso disponível para o selecionador nacional Carlos Queiroz de rebater a decisão da ADoP em alargar, eventualmente, a suspensão de que foi alvo pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, depois desta ter avocado o processo.
“Este exercício de poder disciplinar por parte das federações (desportivas) ou da ADoP é um poder público, logo, tem a ver com a natureza administrativa e, nestes casos, a Constituição reserva aos Tribunais Administrativos a competência para resolver as questões administrativas”, explicou José Meirim, lembrando que, já em 2008, quando a proposta de lei 27/2009 (lei antidopagem) estava a ser discutida, alertou para a “inconstitucionalidade” da única previsão de recurso de uma decisão ser para o TAS.
Para o professor de direito desportivo, trata-se de um aspeto “sensível do ponto de vista jurídico”, uma vez que a solução “não se compagina com a ideia de poder público”.
“(No) poder disciplinar público de uma federação, o recurso é para o tribunal administrativo e fiscal de Lisboa, como foi nos caso do Gil Vicente, Mateus, Apito Final. Quando a situação passa para a ADoP, o órgão de apreciação de recurso muda de figura, passa para o TAS”, explicou, alertando que, além da questão de constitucionalidade, “há também uma desarmonia de registo”.
Por esse facto, José Meirim tem “sérias dúvidas” de que a norma, que possibilita ou impõe como única via o recurso para o TAS, respeite o texto constitucional “na medida da norma que marca o despacho de reserva para os tribunais administrativos portugueses”.
A Autoridade Antidopagem de Portugal (ADoP) avocou para si, na terça feira, a decisão tomada pelo Conselho de Disciplina da FPF relativamente aos factos ocorridos na ação antidoping levada a efeito no dia 16 de maio, na Covilhã, aquando do estágio da seleção nacional de preparação para o Mundial da África do Sul.
Ao avocar o processo, a ADoP retira-o da órbitra da FPF para o analisar e julgar, correndo o selecionador o risco de sofrer uma suspensão que oscila entre os dois e os quatro anos, de acordo com a lei antidopagem em vigor.
A avocação diz respeito unicamente ao processo no qual Carlos Queiroz era acusado de perturbar o funcionamento do controlo no estágio da seleção e não à acusação que pendia sobre este de ter injuriado o presidente da ADoP, Luís Horta, que culminou com a sanção de um mês de suspensão e 1000 euros de multa aplicada pelo CD.
Apesar de não saber qual a forma de defesa que o selecionador irá tomar sendo sancionado pela ADoP, que no entender de José Meirim é o cenário mais plausível, o especialista em direito desportivo não faz ideia de onde o processo irá ser julgado.
“Não sabendo qual a forma de defesa de Carlos Queiroz, sendo sancionado, que é o que será, pois o caso não foi avocado para manter o arquivamento, não sei onde o caso será julgado”, reiterou Meirim.
O professor de direito do desporto adiantou à Lusa estar “inclinado a entender que não houve infração da norma antidopagem”, ressalvando, no entanto, que a sua opinião está assente unicamente no Acórdão do Conselho de Disciplina da FPF.
“A única coisa que conheço do processo é o Acórdão do CD, onde estão transcritas várias partes do processo, testemunhos dos médicos da ADoP, depoimentos dos médicos da seleção. Só conhecendo estes dados, estou tentado a inclinar-me para entender, à primeira vista, que não houve infração da norma antidopagem. Mas isto é a minha opinião, já que não tive acesso ao relatório do IDP, ao relatório dos médicos do ADoP”, frisou.
No entanto, para José Meirim, “há que definir também com muito rigor o que é perturbar uma ação de recolha de amostras num controlo antidopagem”, já que, após a leitura do acórdão, ficou com a sensação de que não aconteceu perturbação.